2005/06/15

A HISTÓRIA DAS RUAS DE ESPINHO, QUE UM DIA TIVERAM NOMES...

Na minha vida profissional sou muitas vezes questionado sobre a razão pela qual, em Espinho, as ruas são denominadas por números e não por nomes, como é uso corrente no nosso País. Por isso, e porque penso ser uma dúvida existente em muitos dos seus cidadãos e dos portugueses em geral, entendi ser útil, baseado em alguns escritos, nomeadamente do Dr. Nuno Barbosa, abordar este tema.

A história dos nomes a atribuir às ruas anda ligada à história de cada localidade e, obviamente, Espinho não foge a esta regra. Convém lembrar que Espinho estava então – finais do século XIX – sob a tutela administrativa da Vila da Feira e, por isso, essa cidade atribuiu muitos nomes de personalidades feirenses ao então lugar de Espinho.

A elevação de Espinho a Concelho dá-se em Setembro de 1899. Com ela nasceu a necessidade de agraciar todos aqueles que de alguma forma deram o seu contributo ao processo de autonomia. A forma encontrada foi a de atribuir os seus nomes às ruas da nóvel sede de concelho. É assim que são atribuídos nomes de cidadãos ilustres desta praia como, por exemplo, os promotores da Autonomia, de membros do governo vigente, da Família Real, etc.

Importa referir que a elevação a concelho, aliada à grande capacidade de trabalho e dinamismo dos seus promotores, veio provocar um surto de desenvolvimento inusitado que se reflectiu, nomeadamente, num enorme aumento da construção. É assim que se começa a manifestar enorme preocupação pela malha urbana da cidade e, por isso, numa reunião do executivo é decidido o desenho daquele que ainda hoje é o traçado rectilíneo das suas ruas.

É, no entanto, numa sessão camarária em 20 de Outubro de 1910, ainda a República era uma “criança”, com poucos dias de vida, que surge a primeira referência à substituição dos nomes das ruas. Na acta da reunião podemos ler a dado passo: “ (...) para serem avivados os números das portas que estiverem apagados e postos os que faltarem, entende que, ao ventilar-se este assunto, a Câmara deve ir mais longe, devendo substituir também o nome de várias ruas. Propõem que os vereadores Berredo Delgado e Vaz fiquem encarregues de estudar o assunto tendo em conta as novas realidades.” Esta deliberação não é de todo inocente se nos lembrarmos que foi tomada logo após a implantação da República e que a maioria dos nomes das ruas estavam ligados a figuras gradas do regime monárquico derrubado em 5 de Outubro de 1910.

Finalmente, em 5 de Janeiro de 1911, a Câmara decide o seguinte: “ (...) deliberou também que as ruas e avenidas que vão do Norte para Sul d’ esta praia sejam denominadas por números ímpares e as que correm de Oriente para Ocidente sejam denominadas por números pares, conservando todavia alguns dos antigos nomes (...)”. Da leitura de actas posteriores verifica-se com muita frequência o abandono da denominação das ruas pelo nome passando a usar-se quase que exclusivamente a denominação numérica apesar de durante alguns anos aparecer, entre parêntesis, o nome da rua. Esta prática vai sendo abandonada progressivamente e, rapidamente, deixa de existir.

A facilidade com que esta medida tão radical foi acolhida enquadra-se sem dúvida na aceitação popular, imbuída dos ideais de democracia do regime republicano, entusiasticamente festejado em Espinho, à qual também não são alheias as características topográficas da cidade. Poderemos assim dizer que, “a numeração assentou como uma luva na malha urbana de Espinho”, como referiu o Dr. Eugénio Montoito numa conferência proferida por ocasião das comemorações do 80º aniversário da morte de Manuel Laranjeira. Para além destas condições, que a meu ver propiciaram o acolhimento desta medida, não convém esquecer a questão, também importante, da funcionalidade prática que permite o recurso à numeração, na rápida localização das ruas em Espinho.

De então para cá, por diversas vezes, têm sido atribuídos nomes a algumas ruas, não para acabar com os números, porque esses continuam a ser utilizados, mas sim, para através dos nomes, homenagear personalidades que ao longo dos anos se distinguiram por esta ou aquela razão. Foco dois exemplos que me parecem elucidativos: o primeiro, após o 25 de Abril, para homenagear, não só a própria data da revolução, como também alguns democratas que se distinguiram na luta contra o fascismo, o segundo, para distinguir a dupla olímpica de voleibol de praia, Maia / Brenha, que em duas olimpíadas consecutivas obteve o quarto lugar nesta modalidade.

Naturalmente que, embora não haja relatos de nenhum facto concreto nesse sentido, algum espinhense mais viajado poderia ter sugerido, por conhecimento concreto do caso, o exemplo de Nova Iorque. A verdade é que por mais estranho que parece aos visitantes é muito mais simples saber onde fica a Rua 4, estando situado na Rua 2 e sabendo que a numeração par aumenta de Ocidente para Oriente, do que saber que a Rua Bandeira Coelho é a rua que fica, para Oriente, a seguir à Avenida do Mar.

Para além do que acima é dito não é despiciendo ter em consideração testemunhos de “vox populi”, que tendo sido o movimento republicano integrado por um esmagador número de maçons, a esta operação tivesse estado também presente o espírito simbólico, quer geométrico, quer numérico que impera na Maçonaria.

Para terminar, gostaria de dizer que ao descer a Rua 5, não pude deixar de reparar na fina geometria dos paralelos, colocados por mão de artista e, principalmente, na beleza da sinfonia de cores do Sol, - os laranjas, os vermelhos e os azuis são de uma beleza cromática extraordinária -, que docemente se deitava nas calmas ondas do Oceano. Naturalmente que, esse mesmo Sol, irá, passadas 12 horas, aparecer a Oriente e, nessa altura, quiçá, as pedras da Rua 5 serão ainda mais belas.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Adoro saber "coisas" sobre o meu País.É muito enriquecedor.
Apesar de ter família a viver em Espinho, nunca me foi explicado o porquê da identificação das ruas através de números.
Confesso que, como muitos outros, sempre associei ao critério de Nova York.
Obrigada "pintainho Amarelo". Gostei particularmente da alusão à côr das pedras da calçada, pois, como sempre,não deixas de ver as coisas pelo teu lado poético.

10:38  
Anonymous Anónimo said...

Ainda hoje lá estive e me perguntei ,o porquê. Bom saber ,obrigada.

02:01  

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